VATICANO

VATICANO

CNBB

REGIÃO NORTE 3

Presbíteros: desafios contextuais.

É muito claro para todos que estamos vivendo um tempo profundamente diferente e desafiador. A pandemia do novo Coronavírus pegou o mundo inteiro de surpresa e de uma forma inesperada, transformou a rotina de todos nós. Não foi diferente na vida e na vivência eclesial. Para a vida presbiteral, o que está acontecendo “nos abala por dentro”, nas palavras do papa Francisco. Este tempo, que não pode ser ingenuamente confundido apenas como uma pequena “anormalidade” apresenta desafios e ao mesmo tempo perspectivas para a missão e a vida dos presbíteros em relação à sua própria vocação e na relação com povo sob seu pastoreio.

Talvez, umas das primeiras coisas a refletir seja sobre a “identidade” do presbítero. Este tema não é novo, evidentemente, mas na atual conjuntura faz-se profundamente necessária sua recolocação, pois dele depende o comportamento e as reações dos presbíteros neste momento. Já o Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros (2013) afirma: “Os presbíteros […] participam do único sacerdócio de Cristo como colaboradores dos bispos: esta determinação é propriamente sacramental e, por isso, não pode ser entendida numa perspectiva meramente ‘organizativa’”. Dessa forma, o documento já nos lembra que, embora a dimensão organizativa não esteja funcionando de maneira costumeira, o sacerdócio ministerial não perde sua razão de ser, tampouco é diminuído, pois está na ordem do “ser” e não do “fazer”. Isso se faz importante na medida em que nenhum presbítero deve sentir-se deslocado por ter suas atividades paróquias e organizativas limitadas por qualquer que seja a realidade. Ao contrário, pois o papa Francisco nos lembra que este é “um tempo para uma nova imaginação do possível”.

Em decorrência dessa primeira reflexão, surge uma outra igualmente importante: qual o perfil de presbíteros para tempos como esses? Como ser presbítero num contexto de tanta incerteza? Como ser anunciador da Boa-Nova distante do povo? Como chegar e aquecer os corações, se a comunidade não pode se reunir para celebrar a sua fé? Como fazer para que este contexto de afastamento não diminua a força do “vinde” que o Senhor dirigiu a todos? São questões que se colocam e desafiam cada presbítero em sua missão.

Diante dessas inquietações, o papa Francisco, uma vez mais, clareia o caminho quando na sua Exortação Chirstus Vivit diz: “O amor de Deus e a nossa relação com Cristo vivo não nos impedem de sonhar, não nos pedem para restringir os nossos horizontes. Pelo contrário, esse amor instiga-nos, estimula-nos, lança-nos para uma vida melhor e mais bela” (n.138). E continua o papa, recordando uma homilia de Paulo VI: “precisamente nas inquietações (…) há um elemento de luz”. Não há dúvidas de que no meio de todo esse desafio que estamos passando, temos encontrando muitas luzes, através de belas experiências entre o presbítero e o povo.

Este tempo, porém, não deve ser visto apenas como um “hiatus”, uma pequena pausa para depois retomarmos nossas atividades que ficaram paradas. O perfil do presbítero para este tempo passa pela capacidade de perceber que estamos vivendo um “tempo novo”, que já se faz presente. Exatamente por isso, essas inquietações devem ser motivadoras de novas descobertas, novos meios para o anúncio do Evangelho. Por isso papa Francisco fala que a “preparação para o depois é importante. Já vemos alguns conseqüências que precisam ser enfrentadas”[1]. De fato, no exercício do ministério presbiteral já vislumbramos novos desafios que exigem novas maneiras de lidar: a estrutura paroquial, o senso de pertença, o próprio papel do presbítero dentro dessa nova mentalidade eclesial que já desponta, tudo isso se apresenta como “conseqüências que precisam ser enfrentadas”.

Talvez, dentro deste novo cenário de isolamento social, que certamente deixará marcas no comportamento das pessoas, que afetará o seu sentido de pertença comunitária e eclesial, radicalizando a fragmentação das relações, o presbítero deve resgatar o aspecto fundamental do seu ministério como “ponte”. Se é possível que as relações nas comunidades mudem, é certo que o presbítero deve ser a ponte que ligue as inúmeras pessoas e realidades entre si e com Deus, fazendo assim que não morra o senso de comunidade, ainda que em modalidades diferentes. O exercício do ministério presbiteral deve ser uma “mediação” entre as várias maneiras de viver a fé, sempre orientando para uma vivência saudável do mistério de Deus. Consciente de que, como indivíduo, não é portador de todos os carismas, o presbítero não poderá, no entanto, negligenciar a necessidade de fazer-se próximo de seu povo, usando todos os recursos disponíveis para isso.

É possível que, quando este tempo pandêmico passar, e ele vai passar, nós estejamos inseridos em um mundo profundamente marcado por relações virtuais. Aquilo que vinha acontecendo paulatinamente, aparece agora, com toda sua força e exigência. Se por um lado são meios que podem favorecer à evangelização, promover contatos, por outro, podem revelar uma perda de sentido e de gosto pelas relações reais, fraternas e de proximidade. Saber relacionar-se neste ambiente será um grande diferencial para o tempo que se desponta, tendo consciência do grande valor dos meios de comunicação, mas ao mesmo tempo sabendo que eles auxiliam, mas não substituem as relações reais, e recordando ainda, que existe uma boa parte das pessoas que ainda são alheias a este ambieente e que, também a elas deve chegar o anúncio do Evangelho. O risco que se apresenta é absolutizar um meio em detrimento dos demais. Dessa forma, a ação missionária torna-se limitada e fragmentada.

Esta pandemia vai passar. E quando isso acontecer, certamente estaremos em um outro momento da história humana e da vida da Igreja. Novos desafios surgirão para interpelar os presbíteros, desafiando-os à criatividade e a reinvenção de ações. O jeito de fazer pastoral já não será mais o mesmo, os métodos que foram tão eficazes até agora podem tornar-se obsoletos no tempo que está por vir. O presbítero, uma vez mais terá que redescobrir o sentido da sua vocação e do seu ser no mundo. Terá que responder ao “vinde” do Senhor, mas também terá que responder aos novos clamores, com novas linguagens, novos estilos de relações e contato. “A preparação para o depois é importante”, por isso este tempo pode ser visto como um convite do Senhor para subir ao Monte Tabor e fazer experiência da transfiguração: homens novos, para tempos novos.

Pe. Edisley Batista – Pároco da Paróquia de São João Batista (Porto Nacional~TO).

ASSINE NOSSA NEWSLETTER